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#Sol na Cara

#Sol na Cara
Além da relação, de sol/luz, esperança de mudança, apesar de ir contra a convenção, deixando o suor escorrer, sem se cansar!

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BECOS

Marcos Philipe.



"Homens, mulheres, crianças que se amontoaram dentro de mim, como amontoados eram os barracos de minha favela".




De que calada maneira
Você chega assim sorrindo
Como se fosse a primavera
Eu morrendo
E de que modo sutil
Me derramou na camisa
Todas as flores de abril

Quem lhe disse que eu era
Riso sempre e nunca pranto?
Como se fosse a primavera
Não sou tanto
No entanto, que espiritual
Você me dar uma rosa
De seu rosal principal

De que calada maneira
Você chega assim sorrindo
Como se fosse a primavera
Eu morrendo
Eu morrendo


Momento Tardio


Não me resta mais nada a não ser viver.
Caralho, como faz frio nesse mundo.
Então é essa baboseira toda. Eu já vivi assim. Eu já conheço esse caminho.
E eu vivia naquele espaço, não me movia, não sentia muito, nem frio nem quente, nem ameno; não, talvez um pouquinho só, mas eu não sentia, e comia pra caramba, dormia quase o tempo todo. E nas horas ociosas, brincava de tocar umas bolhinhas que cismavam com meu joelho esquerdo e rodavam perto e tentavam atravessar aquela parede estranha azul-marfim. Eu não sei como eram essas bolhas, porque só as tocava. Meus olhos eram duas janelas trancadas, com frio e com receio do que a imensidão poderia me trazer. Mas eu via mesmo assim, eu enxergava tudo e brincava e girava em espirais. Vez ou outra me prendia e chutava e girava em torno do meu eixo até a camada espessa e gelatinosa se partir e alguma coisa fria e brutuosa me puxar em um emaranhado de imensidão e luz lutando contra as trancas, e invadindo as janelas e abrindo uma porta ao mundo novo.
Aquela luz não me agradou. E então, aquele tapa. O sopro da vida latejando no meu traseiro e o choro da respiração. O medo, sim, o medo. Medo do que viria, do que estava pór vir. Uma fome miserável na boca do estômago. E nostalgia. Saudades, do meu abrigo, saudades das bolhas e do joelho e dos giros e espirais. Acho que deveria ter feito mais, dormido menos, girado mais, redefinido meu eixo.
Mas o fato é que eu nasci. Nasci e redefini todas aquelas opiniões (exceto sobre as bolhas e as cores) e me alimentei e chorei, chorei muito, mas sempre vinha alguém a abater a solidão, a quem criei uma afinidade e chorava mais e mais para mantê-la comigo mais. e eu não fazia ideia do que seria ter quatro quilos a mais no mundo. Não fazia ideia. Só sabia que nasci e pronto. E atravessava os dias, as manhãs, as noites.
E os dias, e as noites. Incompletos. Sim. Incompletos.



Eu gostaria que meu pensamento fosse um pombo, e minha imaginação, toda linguagem do mundo. Um beijo é tão conceitual quanto uma pedra. Um sorriso, anotomicamente falando, é o espreguiçar da boca triste. O suor é tanto um pedido de licença do salgado em nós como um convite para namorar comigo. Um cheiro é uma verdade que fugiu para o nariz de quem nunca esquece. O teu gosto é cápitulo inteiro, salpicado de versículos arranhados e mordidas no cangote. E foi atrás desse conceito, de sua anatomia, do que salga os corpos; que fui me encontrar naquela noite. Nos avistamos quase imperceptivelmente que um aperto de mão ou um abraço amigo não se fez necessário. Nos ritmamos e entramos na primeira ruela. Acendi um cigarro para iluminar o caminho. Você ri baixinho, disse que gosta quando eu acendo um cigarro sem motivo. Sem merecimento, lembro você dizendo uma vez, como se houvesse uma necessidade de se merecer uma recompensa. Mas eu mereço, pensei alto. Minha recompensa é esta. Você ri baixinho. Começamos a nos entornar pelas ruas, cada vez mais latitudinais, e os poucos moradores que nos miravam como morcegos recém despertos não se incomodavam com a passagem. Ao fazer o retorno, sinto algo me puxar. Você me chama e aponta para o fim da vida. Um cidadão de meia-boca nos indaga sobre aquela peregrinação desorientada. Olhares trêmulos na boca. Ele repete, pergunta se estamos perdidos. Você diz que ainda não e eu não consigo prender o riso. Você remedia dizendo logo em seguida que viemos comprar um "dog" e ele vai nos seguindo de longe, enquanto damos meia-volta. Olho sua cara de redenção e vou até o sujeito. Volto a você e tiro do seu bolso duas moedas. Após o escambo, te puxo pra fora do asfalto. Uma árvore se ramifica no tornozelo. Você diz que é loucura demais. Digo que não importa, que vamos andando, deixa pra trás. Nada disso importa. De resto, no cume, ficam os morros. Temos apenas o tempo de um cigarro. Você diz que cansou e eu lembro que devo trabalhar. Acendo o cigarro e lhe entrego, sempre com um ligeiro afago. O tempo de demonstrar sentimentos é o tempo de um cigarro. E uma vontade do tamanho de Deus. Com o tempo aprendo a me contentar com pouco. Um afago talvez. Um cigarro. Um sentimento em débito. Seu nome vai escorregando na minha cabeça e somente a fumaça consegue dissolver tamanha intoxicação que consome ao invés de purificar. Pensei em lhe perguntar o valor daquele tempo. O valor de um cigarro fumado em tempos. O valor de um afago ao se acender um cigarro. Sofro de fato da vontade. Erre comigo, não tem problema. É, meu bem, não tem problema. Eu supero, não é altruísmo não, é vontade, é um desejo do tamanho de um cigarro fumado. Não conheço o fundo, não desejo conhecer. Sei que existe, e isso me basta. Acredito sim, na vida. Ando tentando acreditar nas pessoas. Por isso é fácil perdoar. É tão fácil compartilhar de algo que se vira fumaça. Drama e comédia são duas vertentes, não duais, mas amantes. Dante amando-se na miséria. Dante chorando ao se deixar tocar por uma cor púrpura. Dante sóbrio num mar de bêbados. Dante..

- Acende aí.

Há muitos dentro de mim. E às vezes eles saem. Partilha-se tudo. Aposta-se que promiscuidade é só do sexo para dentro, dos becos para fora é conversa. Um dos maiores erros que cometi foi ter confiado a quem não me fia aquilo que tenho de mais precioso: meu ontem. Lembro-me de ter sentado em bancos, mesas, de ter me encostado na parede para descansar da amargura do que vivi, e esvaziei esse cálice em ouvidos sujos da vontade de algo estranho. Fui leviano com o punhal cravado, e fazia dele varal para a roupa velha enquanto imaginava que assim o arrancava de mim. Ainda mais quando me vi no centro de oportunidades novas. E por mais que quisesse puxar todos para perto de mim, quanto mais quis dividir, mais vi a celeuma se instalar. Quem senão eu o responsável por isso tudo? Por isso tenho lá minha dificuldade em não gostar, apesar de experimentar descontentamento. Não digo o contrário de amar, porque em tempos difíceis todo palavrão é muito. Já há desgraça por demais solta pela Medina. Digo que não aprovo, não concordo, mas desço. Mas isso não te dava o direito de fazer o que fez. A razão é só o outro nome para sua vontade. Se esqueci de sacrificar aos deuses, e de ser grato pela oportunidade de conhecer melhor o gênero humano, tudo que vi, ouvi foram-me tão instrutivos como tudo que se insere no retorno de Saturno, que sempre me espera na saída para me cobrar a consumação. Por isso, a minha fração nisso tudo. O meu hálito no seu falo não passa de um apetite. Voraz, como a sombra que se esconde em seus olhos. Uma sombra que machuca e faz bem. Eu deixo manifesto. Abertamente acho algumas ondas pós-modernas como a maquiagem de um dadaísmo totalmente desproposital. Todavia, devo assumir que me enamorei com algumas deles. Amor não se dosa, nem é servido em copo americano. Na verdade, tudo que daí vem é corrosivo, quando o assunto é sentimentos sinceros. Falei e fiz demais. Disse do que sentia, comentei do que não entendia para outros, senhores dos pedaços mal contados da minha vida. Fiz, e por isso, todavia, está feito, resta agora confiar: enquanto escrevo, fico me mechendo na cama a mirar o mar, esperando que passe a minha baleia. Isso é de mim. Você me deu o ensejo, que espero retribuir com suco da fruta. Para você deixo muita coisa; a mais importante delas, minha sinceridade. Sei que não é muito quando se quer tudo e se espera tudo. Certeza é que não paro, muito menos para chupar uma manga. Me ensina a cultuar o silêncio sem deixar de amar os dois dedos de prosa que o cotidiano nos pede. É no espírito da boa conversa que eu abro a porta de casa, que dá para a rua, lugar do público. Tanta coisa boa aí fora, tanto cheiro, tanto som e tanta rima que até me anima a verso novo. Machucar-se faz parte do contato com o humano. Há muitos dentro de mim. Eles sempre entram. Você não existe mais. Muito foi dito e conversado esse tempo todo que passou. Você tira facilmente do bolso a resposta dos problemas, e rabisca no guardanapo que vai te arrancar do ali-ausente. Eu digo que nunca conheci quem houvesse levado porrada. Chame de fé, chame do que quiser, o deus é meu eu que me resolvo com ele, apesar de ter endereço em outra pedra. Todavia, um dia, deitado na tua cama, ensopado de um suor que não era seu, você briu a janela para tomar aquele vento, refrigério da consciência. Era noite sem lua, não, um quarto crescente. Mas se fosse noite sem lua, contemplaria os deuses e astros? Você ri alto quando digo que seus gemidos abafam o som do panteão em órbita, do anel que gira e te mira com o olho dos que esperam. Entre tanto riso, foi alta a noite quando o deus chegou em sua porta. Ele te carregou no colo com todo o cuidado e te deixou exatamente no centro daquilo que eu vinha construindo para nós dois. Por isso e por agora é fácil ter resposta para o que você me nega, porque assumiu para o mundo que estava louco do afeto que não entendia. A sociedade em você enche desse bom senso fácil, do dedo que aponta, da máxima que degreda. Gosta tanto de atirar na lata de lixo da vida todos aqueles que ousam aparecer em enfusões daquilo que mais tememos porém sabemos que também está dentro de nós. Há quem não tenha cometido uma loucura por amor. Existe essa criatura que não sofre quando o assunto pula para fora da calça e vem deslizar pela braguilha dos teus órgãos mais vitais? Já de mim, assumo-te: fiz e vou continuar pecando. Passarei longos anos vendendo no atacado para trocar pela esmola de um bem-querer: isso de ser só é fácil quando se é pouco. Foram três banhos antes de achar que estava limpo o suficiente pra dormir. Forcei alguns vômitos também e engoli dois comprimidos. Todas as vezes que levantei, ele me olhou metade sabendo que só meu corpo estava ao seu lado e a outra fingindo não se importar com meu pensamento distante, porque qualquer momento comigo era melhor que nada. Senti-me um grandessíssimo merda. A noite estava estrelada e do lado de fora do quarto havia música animada, muita bebida, alguns gemidos vindo do cômodo ao lado e ninguém no meio de toda aquela alegria tinha tempo de olhar as estrelas. Não sei se me entristecia mais por mim ou por elas. Que felicidade era aquela? nunca soube, embora na adolescência tenha tentado com um certo afinco achá-la. Não fui bom naquele papel e tão pouco sou no de hoje. Encontrava-me mais sozinho do que quando eu realmente estava só e minha barba crescida e esse ar de desleixo parecia impressionar ainda mais as meninas jovens e sedentas por uma aventura com um sujeito velho como eu. Sentia-me um grandessíssimo merda. Algumas pessoas tinham medo de aranhas, outras de serem assaltadas; o meu amor tinha medo do próprio amor, se ligar a alguém; ligar a alma. Mas fica tudo mais manso quando melo a boca com seus líquidos e meus dedos caminham entre os seus. Seu amor nunca foi meu sossego, sua presença era. Não precisa ir embora, ainda tenho muita paz entre os meus dedos. Mas... Se tiver que ir, por favor, vá.