O começo sem fim, sem fim. O príncipe se enforcando na ponte do castelo, tirando a corda do pescoço ao fim da cena, porque é tudo uma grande farsa, e ele não é um príncipe, apenas um menino bobo.
Escrevo-te com um cigarro aceso e um copo de coca-cola. E você ainda não me conhece, estou tentando, por absoluta necessidade, inventar você. Talvez eu continue sem dormir depois disso, mas ainda há esperança. Nesta doentia tentativa de enfrentar a realidade, finjo que não fantasio. Mas fantasio. Até o último momento esperei que você me telefonasse. Que você tocasse a campainha. E assistisse comigo um filme antigo e dublado que passa de madrugada na globo. Falando assim, até parece ridículo. Mas até então, pelo contrário, é demasiado lindo e nostálgico. Infelizmente não me permiti, não te permiti, não nos permiti. A gravidade foi mais forte e não houve como fugir disso tudo, tão artificial, tão estudado. Assim é a vida, quem acaba sendo o personagem fictício sou eu. Sou péssimo ator, detesto ouvir minha voz dizendo aquilo que todos querem escutar, ou ver os tantos outros atores interagindo comigo. A calma, o equilíbrio, as palavras ditas lentamente, como se eu escolhesse. Raramente ocorre um gesto, um tom mais espontâneo. São tão bons atores que ninguém percebe minha péssima atuação.
É tudo ficcional. Fragmenta-se.
É tudo ficcional. Fragmenta-se.
E todo o dia seguinte é lindo e quente e ensolarado e me atordoa porque é claro demais e eu vejo todas essas feridas e lambo todas essas feridas e elas nunca cicatrizam, toda vez que o dia chega elas estão lá, no mesmo lugar, marcas de ferro e fogo ao lado do coração burro todo sujo de tinta. Então o tempo fecha e chove, chove, granizo castigando o mundo, o céu despencando, a lama correndo aos meus pés e me afundando, sujando tudo, o olho embaçado, tudo embaçado, tudo errado e fora do lugar, o vento dançando nas cortinas, jogando umas gotinhas geladas no meu rosto, perguntando porque eu não chorei. Olha, eu tentei, o sentimento estava lá, engasgado na pontinha dos meus cílios, uma lua crescendo na minha garganta, eu entre o sofrimento que me daria o que eu quero e a felicidade que me dá o que eu acho que não posso suportar porque é bom demais, porque tudo que é bom está errado, o inferno é que está certo, cutucando minhas costas com um tridente e me empurrando para frente.
O dia tem luz demais, prefiro a noite, onde meus olhos ficam muito abertos e as coisas fazem sentido. De noite é tudo como eu quero. Não tem dia no inferno. Não tem dia, não tem flor, não tem nada bonito. O inferno, querido, é meu céu. O dia não faz sentido. Sofrer faz sentido, dê cá meu chicote, já que você não tem coragem de bater.
Sem fim, sem fim. Tudo que eu tenho é um ponto final.
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